A cortina púrpura dançava suavemente, como uma virgem num vestido de seda, embalada pelo vento que soprava da janela do quarto. Somente o ulular incessável da noite se fazia ouvir; o frio que soprava por cada fresta. Toda a casa respirava em completo silêncio. Mas Lia continuava de olhos abertos no escuro, as curvas do corpo docemente abraçadas pelo cobertor. Abraçava a si mesma, tentando em vão abrandar o frio dentro de si. Ela ainda sentia o cheiro da morte.
Talvez o tempo apagasse de sua memória em alguns anos o horror do que fizera. Mas, até lá, as marcas escuras em torno de seus olhos apenas devorariam a puerilidade de seu rosto como um tumor. As sombras dançantes projetadas pela lua e pela virgem de seda nas paredes atiçavam seus olhos a rever cada detalhe do que se passara. Já era suficientemente ruim para ela ter sido impelida a fazer o que fizera, mas era terrível ter que reviver tudo todas as noites ao fechar os olhos. Todas as noites. Lia apenas esperava as horas passarem, esperava o céu clarear em tons de rosa e laranja, até que finalmente se permitia descansar envolvida pelo abraço do sol.
Texto escrito por PH.
domingo, 18 de abril de 2010
domingo, 17 de janeiro de 2010
Passos. Atos. Arte. Vida.
Passos.
Se ao longo de minha vida tiver mudado a vida de pelo menos uma pessoa, tudo terá valido a pena. Amigos, amores, alunos, leitores, ou mesmo desconhecidos. Devo ensinar com meus atos, encantar com meus gestos, transformar com meus passos, ajudar, ainda que apenas com um sorriso, se somente isso estiver ao meu alcance. Se eu puder mudar um pedacinho do mundo a cada instante, nenhum momento terá sido vão.
Atos.
Num fim de tarde, voltando para casa depois do trabalho, por uma sucessão de acontecimentos, perdi alguém muito importante. Então me vi tão sozinho, era uma ilha vazia encerrada no escuro. Bastou, no entanto, um sorriso caloroso e um entusiástico "boa tarde" da cobradora do ônibus para que minha angústia se retraísse, aliviando minha dor pelo resto do trajeto. Comecei a observá-la. Percebi que seu cumprimento, juntamente com seu sorriso tão intenso, se repetia a cada passageiro que entrava, e mesmo um simples sorriso de cada desconhecido já era retorno suficiente para que ela continuasse seu ato de distribuir felicidade. Talvez ela nem tivesse noção do poder dessa pequena ação, mas com isso ela acabou se eternizando em minha memória, se eternizando nessas palavras aqui escritas.
Arte.
Quão inspiradora é a música! É fantástica sua capacidade de injetar tantas tonalidades de sentimento em nós. Por vezes nos enche de nós mesmos; por outras, nos faz sentir tão ínfimos diante de tudo. Às vezes se agarra à nossa memória e nos arrasta de volta ao passado. Vemos tudo que já se foi com outros olhos. E a música acaba por nos fazer chorar nos momentos nostálgicos, quando nos damos conta de que tudo que passou não voltará jamais. Uma música pode influenciar decisões, mudar a história. Assim como um filme, um livro, uma palavra.
Vida.
Nossos atos, nossos projetos, nossas criações podem sim nos eternizar em alguém. Acredite em seu sorriso, em seus abraços, em seu amor. Permita-se chorar quando bate a saudade, abraçar calorosamente nos reencontros, beijar com afeto, se o amor é intenso, soluçar quando é hora de ir embora. E, no fim, saberemos que de fato vivemos, e permaneceremos nos corações dos que foram tocados por nós.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
passos de dança
:)A cada gesto que eu faço é como se estivesse doida para os outros. Mas é preciso. É preciso pegar o lápis e escrever, é preciso lavar os pratos, é preciso ter dinheiro em mãos, é preciso encarar a vida de leve como se toma uma cerveja todo dia. É preciso falar com determinada pessoa e fazer planos para amanhã. É preciso ter consciência de que você tá por você, que seja feliz ou tome no cu. É preciso beber pra poder enxergar o mundo maravilhoso em que você vive, e que você pode mudá-lo para se tornar feliz. Saber que faltando aula é mal pra você, já que está sempre de recuperação e não consegue acompanhar a turma. (alívio imediato) – sou hedonista.
Ter consciência de si.
Na parada:
Já me corrompi, não sei quem eu sou, não há segurança. Fé? Ter fé é tão difícil, porém não agora que estou anestesiada, mas tudo antes é um peso pra mim: meus CD’s, meus livros, meus amigos, minha fala, tudo é constrangedor e eu preciso falar com ele pra dizer que não vou, não posso ir, aliás nem seria bom, talvez, ou sincero ter que dividir a mesa com alguém que eu ando evitando. Mas ele é luz, é calor, é tudo o que há de sentimento e amor e dor.
Ter consciência de si.
Na parada:
Já me corrompi, não sei quem eu sou, não há segurança. Fé? Ter fé é tão difícil, porém não agora que estou anestesiada, mas tudo antes é um peso pra mim: meus CD’s, meus livros, meus amigos, minha fala, tudo é constrangedor e eu preciso falar com ele pra dizer que não vou, não posso ir, aliás nem seria bom, talvez, ou sincero ter que dividir a mesa com alguém que eu ando evitando. Mas ele é luz, é calor, é tudo o que há de sentimento e amor e dor.
Lembranças:
ESTRANHEZA,
eunaosoudasuarua,
janela,
saudade,
tempo,
umeupramim,
vida
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
teatrovida - ideias
tantas lembranças boas agora restauradas pelos sentidos.
seríamos eu e você? ou somente um novo eu?
-pessoas, várias cores,
único sentido
parece que sempre a gente tem que registrar os fatos. re-lembrar a vida, o sentimento, a força de vontade (de que ainda tem!), a frase de Drummond: "somos todos irmãos"- ilusão?
A vida se registra nos filmes, nos livros, na paisagem bem observada e sentida. Que vida, Deus! Espero compartilhar minha alegria agora pra quem precisa de conforto, pra quem precisa de uma palavra de carinho; uma força e, falar que o amor é tudo (esse sentimento que nos faz rir, chorar, fazer besteiras ou ainda crescer um ao outro e se fortificar mais).
(fica uma marca ainda no humano, que tem que lutar dia após dia, hora após hora o seu amor-de-dentro.* compreensão ou não do passado que é desmascarado na Pessoa atual;
ilusão: antes de morrer vive-se.
Apesar de.)
*sobre um amor-amigo longe no tempo: "Sentimos perfeitamente que estamos falando de dois outros sujeitos, que por sinal já faleceram – e eram nós. No amor isso é mais pungente. De onde concluireis comigo que o melhor é não amar, porém aqui, para dar fim a tanta amarga tolice, aqui e ora vos direi a frase antiga: que é melhor não viver." Rubem Braga
Lembranças:
-q,
amizade,
janela,
teatro,
túnel do tempo.
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
De vestido colorido ela vai na praia com o seu menino que também cata lixo. Latas, amassadas por gente que bebe o líquido; ela se satisfaz em ser - tu és? Ela é o esforço, o ganha-pão, a identidade do povo, meu coração.
que pode ser de pedra, mas quebra.
- Gente que é gente não sabe o que nóis passa. Não sabe. Não compreende o que nóis quer. Ó se esse mundo fosse de graça! Teríamos o que bem quiser...
que pode ser de pedra, mas quebra.
- Gente que é gente não sabe o que nóis passa. Não sabe. Não compreende o que nóis quer. Ó se esse mundo fosse de graça! Teríamos o que bem quiser...
Lembranças:
CLICHÊ,
ESTRANHEZA,
eunaosoudasuarua,
necessidade,
vida
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
macabéa
ela chegara num estado que não sentia sede de nada. nem sabia o que queria, coitada.
não sentia que estaria vivendo. não sabia dar nem receber amor.
e um dia foi atropelada.
sem dor,
só alma
não sentia que estaria vivendo. não sabia dar nem receber amor.
e um dia foi atropelada.
sem dor,
só alma
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
fragmentos.
"Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida minha face?"
Retrato - Cecília Meireles.
Eu estava no meio do paço alfândega, no meu ouvido soavam guitarras fortes que constratavam com a voz suave de Fernanda Takai, pessoas passavam apressadas. Elas riam, e eu olhava cada sorisso como se nunca tivesse visto um antes, olhava cada expressão, olhava nos olhos delas, profudamente, como se entendesse algo do visse, não entendia. As pessoas são extremamente comuns, acredite. E por ser tão comum é que são fantásticas. A cada sete anos nós trocamos de pele completamente. Apesar disso nossa essência é a mesma, o nosso verdadeiro eu. Como numa dança muda, que as pessoas não percebem por falta de som, as pessoas ali, estavam transcedendo, transfigurando, enternecendo tudo diante dos meus olhos. E eu ia me encantando com toda aquela (mu)dança preenchida de silêncio e vivacidade.Das minhas maiores essências, te apresento a mais pura e complexa, e assim, apresento a mim mesma. Por mais tempo que se conviva com alguém, sempre haverá algo intocável, inatingível. E esse é o segredo de se conviver tanto tempo com uma pessoa, sempre haverá algo a se descobrir, algo para se encantar.
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida minha face?"
Retrato - Cecília Meireles.
Eu estava no meio do paço alfândega, no meu ouvido soavam guitarras fortes que constratavam com a voz suave de Fernanda Takai, pessoas passavam apressadas. Elas riam, e eu olhava cada sorisso como se nunca tivesse visto um antes, olhava cada expressão, olhava nos olhos delas, profudamente, como se entendesse algo do visse, não entendia. As pessoas são extremamente comuns, acredite. E por ser tão comum é que são fantásticas. A cada sete anos nós trocamos de pele completamente. Apesar disso nossa essência é a mesma, o nosso verdadeiro eu. Como numa dança muda, que as pessoas não percebem por falta de som, as pessoas ali, estavam transcedendo, transfigurando, enternecendo tudo diante dos meus olhos. E eu ia me encantando com toda aquela (mu)dança preenchida de silêncio e vivacidade.Das minhas maiores essências, te apresento a mais pura e complexa, e assim, apresento a mim mesma. Por mais tempo que se conviva com alguém, sempre haverá algo intocável, inatingível. E esse é o segredo de se conviver tanto tempo com uma pessoa, sempre haverá algo a se descobrir, algo para se encantar.
Lembranças:
janela,
necessidade,
PENSAMENTOS,
saudade,
tempo,
vida
sábado, 17 de janeiro de 2009
SOBRE ESCREVER [4]
"Escrever é meu respiro, é quando tomo o ar para novos vôos – por mais rápido que voe, o avião parece flutuar entre as nuvens, essa ilusão de tempo e de espaço que nos dá a dica: a vida é tal e qual.
A vida é provocação. Se um dia me grita que é curta, manda em seguida a mensagem de que é preciso saber esperar. Avança e recua, oferece e retira, para nos medir, não a força, mas a capacidade de brincar."
Cristiana Guerra
"Escrever é meu respiro, é quando tomo o ar para novos vôos – por mais rápido que voe, o avião parece flutuar entre as nuvens, essa ilusão de tempo e de espaço que nos dá a dica: a vida é tal e qual.
A vida é provocação. Se um dia me grita que é curta, manda em seguida a mensagem de que é preciso saber esperar. Avança e recua, oferece e retira, para nos medir, não a força, mas a capacidade de brincar."
Cristiana Guerra
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Um borrão sobre o papel
Eu escrevo o que não se pode calar. Escrevo o que se diz, o que se ouve, e também o que se silencia. Escrevo o que não se pode dizer, e o que a imaginação não diz. Escrevo e tudo o que se materializa para fora da minha mente ganha o mundo, vai além de mim e de si. Escrevo e tenho espanto do que eu escrevi. Horrores e maravilhas que pintei na minha frente. Apago, mas se pode apagar o que já se estampou na veia do mundo? Está tudo tatuado aqui: no avesso da minha pele, onde o sangue que emana das agulhas só retorna para mim. É a força pela fraqueza. Porque o que escrevi, rejeitado ou não, já é maior do que eu e meu silêncio de moralizações, conveniências, senso comum, esteticismos banais. O que eu escrevi está vivo e arde, e por mais que eu tente apagar me encara de frente e diz: dôo. E de doer eu rasgo a pele e os papéis. Mas o escrito não morre.
Eu escrevo o que não se pode calar. Escrevo o que se diz, o que se ouve, e também o que se silencia. Escrevo o que não se pode dizer, e o que a imaginação não diz. Escrevo e tudo o que se materializa para fora da minha mente ganha o mundo, vai além de mim e de si. Escrevo e tenho espanto do que eu escrevi. Horrores e maravilhas que pintei na minha frente. Apago, mas se pode apagar o que já se estampou na veia do mundo? Está tudo tatuado aqui: no avesso da minha pele, onde o sangue que emana das agulhas só retorna para mim. É a força pela fraqueza. Porque o que escrevi, rejeitado ou não, já é maior do que eu e meu silêncio de moralizações, conveniências, senso comum, esteticismos banais. O que eu escrevi está vivo e arde, e por mais que eu tente apagar me encara de frente e diz: dôo. E de doer eu rasgo a pele e os papéis. Mas o escrito não morre.
domingo, 11 de janeiro de 2009
SOBRE ESCREVER [2]
'Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega?" Caio Fernando Abreu.
'Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, "apaga o cigarro no peito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo". Isso é escrever. Tira sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a "função social", nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega?" Caio Fernando Abreu.
Lembranças:
janela,
necessidade,
SÓ PRA MUDAR OS ARES
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