domingo, 18 de abril de 2010

Abraços.

A cortina púrpura dançava suavemente, como uma virgem num vestido de seda, embalada pelo vento que soprava da janela do quarto. Somente o ulular incessável da noite se fazia ouvir; o frio que soprava por cada fresta. Toda a casa respirava em completo silêncio. Mas Lia continuava de olhos abertos no escuro, as curvas do corpo docemente abraçadas pelo cobertor. Abraçava a si mesma, tentando em vão abrandar o frio dentro de si. Ela ainda sentia o cheiro da morte.

Talvez o tempo apagasse de sua memória em alguns anos o horror do que fizera. Mas, até lá, as marcas escuras em torno de seus olhos apenas devorariam a puerilidade de seu rosto como um tumor. As sombras dançantes projetadas pela lua e pela virgem de seda nas paredes atiçavam seus olhos a rever cada detalhe do que se passara. Já era suficientemente ruim para ela ter sido impelida a fazer o que fizera, mas era terrível ter que reviver tudo todas as noites ao fechar os olhos. Todas as noites. Lia apenas esperava as horas passarem, esperava o céu clarear em tons de rosa e laranja, até que finalmente se permitia descansar envolvida pelo abraço do sol.


Texto escrito por PH.