quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O azul na película

Tânia entrou no estúdio sorrindo, tranqüila, os saltos ecoando pela sala acústica. Havia qualquer coisa nos seus ares que a distanciava daqueles objetos todos à sua volta. Ela talvez não fosse mais dali. Os olhos sorriam por baixo dos óculos escuros. E vasculhavam. À procura de quê?, era a pergunta que vinha flutuando do outro lado da sala, mas ia ficar mesmo sem resposta, ela agora era a mulher das roupas escuras, do sorriso tranqüilo por baixo da maquiagem e dos cabelos bem amarrados.


— Estava com medo de atrapalhar, mas você não está fazendo nada mesmo.


Ela não o olhava: ele não estava mais ali? Não. Ela que tinha saído, afastara-se a alma e a despedida do corpo era tão insuficiente, chegava a lhe ser desrespeitosa. Quem era aquele mulher que lhe aparecia sem mostrar a expressão, que não o encarava e que sorria aquele sorriso estúpido, sem qualquer sentimento? Não era a mesma de antes, das noites de trabalho, da garrafa térmica cheia de café, a mulher que lhe escondia os cigarros e que enchia as garrafas de gim com chá.


Manteve os olhos baixos, ainda deviam estar vermelhos, e não ousou falar alto, algumas coisas precisavam ser sussurradas, pra que fosse possível fingir que nunca foram ditas.


— Você não atrapalha.


As duas eram diferentes, ele sabia. Muito, muito diferentes. Ele, mesmo, reagia diferente a cada uma. Mas estava ali o problema: qual encanto o prendia tão firme às duas?


— Você voltou mais cedo.


— É... tinha umas coisas pendentes por aqui. Além disso, eu estava curiosa.


Tânia sorria para as fotografias que apanhava de cima da mesa. Lá estava aquela menina, a mesma de sempre: jovial, bonitinha, sorrindo largo, sorrindo muito riso. Tem coisa que precisa se imprimir numa fotografia. Tem coisa que precisa ser eternizada, pra que depois a gente entenda.


— Você revelou quando? — e não levantou os olhos de novo: o céu era maravilhosamente azul, azul pra se derramar os olhos, a alma, o corpo, as memórias todas dentro da película.


Mas ele agora a encarava. De que cor estavam seus olhos? Ela não ia ver. Ele a encarava, quase trêmulo: um clímax segurado por tempo demais entre as mãos. Agora estava todo ferido: a carne, o corpo exposto. Tudo quanto era alma se lacerando lentamente. E ela trazia o corpo aberto e a alma fechada, nunca pudera ser tão inatingível.


— Hoje de manhã — a voz escapava, soprando-se para fora.


Quis se virar, abaixar a cabeça, sair correndo dali. Não queria olhá-la, queria sentir repulsa, queria lhe dizer para não voltar. O nó na garganta lhe confirmava dolorosamente que não era mais preciso.


— Você quer? Eu fiz duas cópias.


Ela ria, agora: tirara os óculos, o encarava de frente. Era o riso de antes?, ele procurava, sentindo o desespero daquele tempo todo aflorar. Precisava ser, tinha de ser. E se fosse? Não havia mais ninguém ali para ele: então não tinham ido os dois embora? quando?

Mas ela só sorria, tranqüila.


— Não, Roberto: o céu não era tão azul.

3 comentários:

Bruna monteiro disse...

eu tive que ler duas vezes pra entender, sol burra, bjs

tenho apenas algumas conclusões mas nada definitivo. rs

1)" Tânia entrou no estúdio sorrindo, tranqüila, os saltos ecoando pela sala acústica."
acho que ecoavam ficava melhor! não sei se é por causa do ritmo, esse ecoando quando para, parece pedir que a frase continue, nao sei explicar, rs

2)"Havia qualquer coisa nos seus ares que a distanciava daqueles objetos todos à sua volta."
eu tiraria esse todos. =P

3) "Ela talvez não fosse mais dali. "
então quer dizer que já perteceu ali? \hum....

4)"— Você revelou quando? — e não levantou os olhos de novo: o céu era maravilhosamente azul, azul pra se derramar os olhos, a alma, o corpo, as memórias todas dentro da película.
Mas ele agora a encarava. De que cor estavam seus olhos? Ela não ia ver. Ele a encarava, quase trêmulo: um clímax segurado por tempo demais entre as mãos. Agora estava todo ferido: a carne, o corpo exposto. Tudo quanto era alma se lacerando lentamente. E ela trazia o corpo aberto e a alma fechada, nunca pudera ser tão inatingível.
— Hoje de manhã — a voz escapava, soprando-se para fora."

Achei um pouco distante a pergunta da resposta, e por sinal essa frase ficou linda: " e não levantou os olhos de novo: o céu era maravilhosamente azul, azul pra se derramar os olhos, a alma, o corpo, as memórias todas dentro da película." fiquei babando horas, *-*

5) Eles já tiveram algo, ou chegaram perto disso, " Não era a mesma de antes, das noites de trabalho, da garrafa térmica cheia de café, a mulher que lhe escondia os cigarros e que enchia as garrafas de gim com chá.
Manteve os olhos baixos, ainda deviam estar vermelhos, e não ousou falar alto, algumas coisas precisavam ser sussurradas, pra que fosse possível fingir que nunca foram ditas."
Ela deve ter trabalhado com ele no estúdio de fotos, algo assim, e depois pediu pra ele tirar umas fotos dela.

6) Os olhos dela estavam vermelhos e ele com nó na garganta, nao sei se separam ou nem chegaram a ter algo. tenho que pensar!

e sim, eu gostei do texto! :D

fernanda disse...

HAHAHAHA!

é, antes de postar no blog eu ainda tive vontade de tirar aquele todos, n tirei pq eu n sabia me explicar pq eu queria tirá-lo ¬¬'

é, n sei pq n tirei, n sei pq quis tirar :x
paradoxos.

Jul'ana; disse...

eu também gostei daquela parte que fala das memórias dentro da película, muito.
não sou boa de fazer texto com diálogos, mas gostei desse.
achei o final ótimo: e acho que não chegaram a ter nada, tiveram só o momento da foto que ele queria que se tornasse eterno e ela não (ao recusar a foto e dizer o que achava do azul, que pra mim foi supostamente o momento/relação);
:)